Um dia do Gabinete de Apoio a Vítimas – CooLabora
O ano de 2019 acaba de findar. ACooLabora, por via do Gabinete de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica,atendeu, apoiou e acompanhou 224 vítimas de violência doméstica e de género,maioritariamente, mulheres. Estes casos (135 novos e 89 antigos) revelam que aviolência prevalece e, pior, que os casos são, predominantemente, maisviolentos e, consequentemente, com medidas mais graves. Ora, tendo em contaeste cenário, quisemos perceber melhor o funcionamento deste gabinete que,desde o seu início, já apoiou cerca de 1000 vítimas de violência. Este texto éum resumo de um dia do Gabinete de Apoio a Vítimas, na CooLabora.
São 9h00. O cheirinho a café, os sorrisosmatinais de uma equipa coesa e bem-disposta, e a primeira troca de informaçõessobre a agenda antecedem um dia relativamente calmo. “Tenho seis atendimentospara hoje.” Diana Silva, que apresenta um nível de energia logo pela manhãsemelhante ao de uma atleta de alta competição, geria, assim, a agenda daquelaterça-feira de fim de ano no Gabinete de Apoio a Vítimas (GAV), na CooLabora. Eisque, ainda o aroma a café pairava no ar, toca o telemóvel do gabinete, o queaumenta o alerta de toda a equipa. “É a GNR [Guarda Nacional Republicana]”,ouve-se num tom de ligeira preocupação. Era uma urgência. O dia já não maisseria calmo.
São 09h40. A conversa telefónicadecorre com fluidez e muita eficácia. Havia uma mulher idosa em risco elevado.A equipa da CooLabora fica em total alerta, a rede territorial decombate à violência ia ser activada. A técnica do GAV, criminóloga, DianaSilva, entra numa espécie de velocidade titânica, adia as consultas previstaspara aquela terça-feira, passa as informações necessárias à equipa,multiplica-se em telefonemas enquanto sai a correr.
São 10h00. A vítima aguarda apoioespecializado numa sala da GNR onde o recato e a discrição são condições parauma conversa demorada, dolorosa e pormenorizada. O militar da GNR recebe atécnica do GAV e contextualiza a agressão sofrida pela vítima, reforçando aemergência de intervenção e apoio estruturado à mulher de 82 anos.
São 10h15. A vítima conhece atécnica do GAV. Depois de confortar Teresa (nome fictício), Diana Silva ouvecom atenção todos os detalhes dos momentos de agressão, as circunstâncias domesmo, as doenças associadas àquele cenário de violência e, acima de tudo, opedido de socorro. Nesta situação-limite, só um afastamento do agressor poderiadar alguma paz a esta mulher, claramente, em risco elevado. Aconversa-consulta dura mais de duas horas. “É necessário que a vítima se sintasegura ao receber o nosso apoio. Não só do GAV, mas de toda a parceria da Rede”,referiu a técnica já o dia ia longo e a vítima protegida.
São 12h30. É necessário activar oacolhimento de emergência, dada a inexistência de condições da vítima regressara casa, local onde ainda permanece o agressor. Só com posteriores medidas decoação é que a situação se poderá reverter. Conseguido o acolhimento deemergência, nem sempre um processo simples, activou-se o transporte nacionalpara a deslocação da vítima, e a associação parceira da rede, Mutualista, parafornecimento de refeição para a idosa.
São 14h00. Sempre acompanhada porDiana Silva, Teresa, do alto dos seus 82 anos de vida, é recebida no Institutode Medicina Legal para confirmação médica das agressões de que tinha sido alvoatravés das marcas físicas existentes. Deslocações efectuadas no veículo daCooLabora, oferecido pela Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade.“Aqui se nota a importância do carro de serviço que nos foi doado, porqueevitamos circular e conduzir as vítimas com os nossos carros particulares”,concretiza Diana Silva.
São 15h00. Teresa volta a casa com aproteção da GNR. Tinha de recolher algumas peças de roupa e, essencialmente, amedicação. Numa fuga para a liberdade em espaço de segurança não identificado,a idosa saiu daquele lugar de violência circundada de emoções tão fortes quantoambíguas e até antagónicas. Era a sua realidade – até àquela manhã – quedeixava para trás. Realidade que se tornou insuportável, que, a continuar, alevaria à morte.
São 16h00. Teresa é conduzida àCooLabora. Aguarda o transporte nacional de emergência no GAV. Nunca ficasozinha. A companhia da técnica responsável é permanente. As dúvidas de Teresa,tanto sobre o seu futuro quando o futuro do agressor, atormentam-na. O que sevai sublimando com o esclarecimento exaustivo de todos os seus direitos. Évítima de violência doméstica. É uma sobrevivente com risco elevado que seráauxiliada daquele dia em diante.
São 17h00. Chega o transportenacional de emergência que garante a deslocação segura de Teresa para oacolhimento de emergência. Na CooLabora sente-se algum lenitivo. Teresa iria ficara salvo. Mas o trabalho está longe de terminar.
São 17h30. Diana Silva começa aescrever dois relatórios na sequência do apoio prestado a Teresa pelo GAV. Oprimeiro para que a mulher idosa tenha acesso a uma estrutura para pessoasidosas e o segundo, com detalhe contextual, jurídico, criminal e social,dirigido ao Ministério Público. Documentos formais que ditarão o futuroimediato de Teresa e do agressor.
São 20h30. A jornada de trabalho jávai longa no GAV. Já com os relatórios concluídos e com a protecção de Teresaassegurada, Diana Silva dá por terminado este dia de terça-feira. De um iníciode dia aparentemente calmo, aquela terça-feira do fim do ano de 2019 foi,afinal, uma montanha russa de emoções para Teresa, e um registo difícil eexaustivo de sentido de missão cumprida para Diana Silva, para o GAV e paratoda a equipa da CooLabora. E quando se fecha a porta do gabinete? A técnica doGAV responde: “Não se desliga. As preocupações com os casos de nível de riscoelevado estão sempre presentes. Estamos a lidar com vidas de pessoas. E quandosabemos que uma vítima continua em casa com o agressor que é altamenteviolento, em que o risco de homicídio é muito elevado, não desligamos emmomento algum. Tentamos, sim, gerir estas histórias, estas emoções, estesprocessos, para que a nossa vida pessoal seja o menos afectada possível. Nemsempre se consegue.”