O direito à escolha: elas e eles na escola e na vida

Opinião
16 Junho 2020

 Por Teresa Alvarez, CIG

Apesar dos avanços na igualdade entre homens e mulheres conseguidos nas últimas cinco décadas em Portugal (e em grande parte dos países ocidentais), a desigualdade entre uns e outras persiste, assumindo por vezes contornos inesperados. Uma das manifestações dessa desigualdade é o profundo desequilíbrio na distribuição de mulheres e de homens pelas áreas profissionais e nas outras ocupações diárias (na família, em casa e nos espaços de lazer, entre outros). Vejamos dois exemplos retirados dos dados de 2018 relativos a Portugal (PORDATA): neste ano, apesar de 58% das pessoas diplomadas serem mulheres, estas centraram-se nas áreas associadas ao cuidado (80% na educação e 74% na saúde e proteção social), sendo minoritárias nas áreas de cariz tecnológico como seja a engenharia, indústria e informática (32%), verificando-se que neste último domínio (informática) a sua percentagem foi de apenas 21%. Por sua vez, os homens que partilharam a licença parental corresponderam a 39,9% das mulheres que usufruíram desta licença neste ano (CITE, 2019), mantendo-se a maioria dos homens que são pais afastada da corresponsabilidade parental, concretizada no tempo afeto ao cuidado quando nasce uma criança de que são progenitores.

Mas por que nos devem preocupar estes números? Pelo simples facto de serem uma das muitas evidências de défice de cidadania que ainda marca as nossas democracias. Não há democracia sem cidadania e nem uma nem outra existem sem a condição prévia da igualdade entre os indivíduos no exercício dos direitos, começando pela igualdade entre homens e mulheres, as duas principais categorias em que se divide a espécie humana. Ora, se o exercício dos direitos implica que eles estejam objetivamente plasmados na ordem jurídica e integrados no funcionamento das sociedades, também exige condições individuais, subjetivas, para o seu exercício. Queremos com isto dizer que o modo como nos vemos enquanto pessoas e enquanto elementos dos coletivos a que pertencemos tem de se alicerçar na valorização de mim e do outro numa lógica “de igual para igual”.

Uma das causas dos desequilíbrios entre homens e mulheres no exercício profissional e nas ocupações do dia-a-dia consiste nas escolhas individuais, ainda que esta não seja, de forma alguma, a única ou a principal razão. Um dos direitos fundamentais é o direito a escolher o que se quer: estudar, ter como profissão, o que fazer em casa e fora dela, como ocupar o tempo, participar na vida coletiva. Escolher implica também, e sempre, decidir como se quer partilhar os recursos, incluindo o tempo, que uma sociedade coloca ao dispor dos seus elementos, homens e mulheres.

Daí que quanto mais profundo e enraizado for esse olhar “de igual para igual”, maior será a liberdade interior de uma rapariga e de um rapaz para fazer as suas escolhas na escola e fora dela, depois da escola e ao longo da sua vida de homem ou de mulher. Pois importa conseguir fazer essas escolhas sem o peso das expectativas alheias sobre si e que decorrem do facto de se pertencer a um ou a outro sexo. Porque se o nosso corpo faz parte de cada um e de cada uma de nós, ele não nos determina enquanto pessoas nem nos pode condicionar no desenvolvimento das nossas capacidades. E estas desenvolvem-se de acordo com as vivências que nos permitirmos ter, de acordo com as oportunidades que cada pessoa se permite dar a si própria, seja mulher ou seja homem.

Por tudo isto, a educação, familiar e escolar, tem como desafio incorporar nas crianças e jovens o igual valor a dar a todas as ocupações, pagas e não pagas, necessárias ao bem-estar de todas e de todos. E isso faz-se facultando e alimentando um conhecimento amplo sobre a imensa diversidade de vidas de homens e de mulheres, em todas as esferas da atividade humana, incluindo em todas as profissões e em todos afazeres quotidianos. Não há desenvolvimento humano, digno e sustentável, sem a eliminação dos estereótipos sexistas que continuam a condicionar a vida de mulheres e de homens e a ser o principal obstáculo à igualdade, efetiva e substantiva, entre umas e outros.