Droga de vírus!
por Marta Vilarinho
– Assistente Social e Terapeuta Familiar no CRI de Castelo Branco, ET da Covilhã (antigo CAT)
Agora é que se começam a notar os brutais efeitos da pandemia.
Fechadas as fronteiras, cercados os distritos, confinadas as famílias e por último, os indivíduos fechados sobre si próprios, muitas fragilidades foram potenciadas e outras emergiram. Por todo o mundo, começam agora a ser sentidas as consequências da pandemia, a nível económico, social e pessoal.
O reajustamento de estilos de vida e comportamentos estão ainda em processo de mudança. Ficar em teletrabalho, em confinamento e tele escola obrigou-nos a todos a lidar com níveis de ansiedade, medos e angústias nunca antes vividos. Ficámos privados de pensar mais longe do que o “até logo”. Sujeitos a regras e policiamentos que mudaram as relações interpessoais. O medo e a ansiedade entraram dentro das famílias e de cada um de nós.
O stress vivido e sentido obriga-nos a aprender todos os dias, nem sempre com as melhores estratégias, confesso, mas estamos todos a aprender a lidar com isto. Secretamente, todos nós desejamos um golpe de magia e que o vírus vá para outro planeta. Ou seja, todos desejaríamos não sentir ou não viver o que vivemos ou sentimos. Quem já tinha fragilidades, como os consumidores de substâncias psicoativas legais ou ilegais, também passam pelas mesmas experiências sentidas e vividas. Como estratégia para “não sentir”, “não pensar” e lidar com tudo isto, surge a droga, o álcool.
Entendo as dependências como uma doença e ninguém pede ou escolhe ser doente, como costumo dizer… mas, cada um, tem a responsabilidade de tratamento. É possível estar atento aos sinais do corpo, da mente e pedir ajuda. Há esperança quando se atinge um nível de consciência sobre si e, sobre os outros e se tem a grandeza, de pedir ajuda. Somos todos humanos e, cada um à sua maneira tenta sobreviver a este momento.
Muitos destes homens e mulheres têm filhos, esposas, pais… Como todos nós, neste momento, ao pensarmos que podemos contagiar quem temos em casa, a responsabilidade que se sente é pesada. São humanos e recorrem a “estratégias” que sempre existiram, mas que por outro lado os fragiliza ainda mais e torna mais doentes. Do que tenho percebido, o álcool, que se podia comprar em qualquer supermercado, serve de porta de entrada para outros consumos. A atitude é a mesma, o objetivo é igual: não sentir o que é intolerável sentir, anestesiar a dor mental. As fragilidades destes seres humanos têm sido potenciadas com este vírus.
Acredito que vamos sair desta pandemia mais sábios e fortes. Sábios em estratégias para lidar com o desconhecido, o medo e a ansiedade. Acredito ainda que nunca demos tanto valor aos afetos, às pessoas, e à forma como nos ligamos ao mundo à nossa volta.
Acredito que há esperança no tratamento das adições (licitas ou ilícitas). Não importa quantas vezes se tente, quantas recaídas se teve, porque são ou foram estratégias tentadas e isso dá sabedoria que pode agora ser aproveitada para se tornarem mais fortes e conhecedores da doença e são também estratégias de tratamento. Duas difíceis tarefas são necessárias: a uns cabe-lhes a capacidade e coragem de pedir ajuda, o que nem sempre é fácil, a nós, cabe-nos a tarefa de não julgar, compreender que este é um momento atípico para todos nós, e orientar no processo de tratamento.