O Marco e a experiência feliz com a comunidade cigana do Tortosendo

Opinião
15 Dezembro 2020

por Sónia de Sá (1)

Conheci o Marco há cerca de cinco anos, durante o Fronteiras (2016), da CooLabora(2), um projeto que recolheu os sonhos das crianças e outras imagens positivas da comunidade cigana do Tortosendo (Covilhã). O Marco era, já à data, um adolescente muito centrado, com objetivos definidos, e impressionou-me pela certeza que mostrava, ainda tão jovem, sobre a educação como chave para a redução das discriminações sobre pessoas ciganas e não-ciganas. Pensei: “Este jovem vai conseguir. Ele vai ser o primeiro da comunidade a chegar ao ensino superior”. Pois bem, o Marco é hoje aluno da Universidade da Beira Interior (UBI) e, por isso, este texto é-lhe dedicado. A ele e a todas/os as/os jovens que, convictamente, acreditam que a educação é o caminho para o entendimento entre etnias, raças e grupos minoritários e maioritários.

E que dia feliz este quando soube que o Marco tinha conseguido. Foi um dia de revelação, de emoções fortes: o Marco era a primeira pessoa da família e daquela comunidade a entrar no ensino superior.

Para a chamada sociedade maioritária, esta conquista será de somenos importância, dado que é crescentemente natural que as crianças e jovens aspirem e trabalhem para alcançar estudos superiores, cursos com “saídas” e empregos com rendimentos acima da média. É claro que muitos destes sonhos são contrariados pela realidade económica cruel, mas, à partida, este é o normal das vidas de crianças e jovens que não estão inseridos nos grupos minoritários, como são os casos das comunidades ciganas em Portugal, comunidades estas que, no seu conjunto, agregam entre 45 e 50 mil pessoas. Contudo, para o Marco e para a comunidade onde está inserido, é uma conquista assinalável, que revela, por um lado, o acesso da comunidade cigana às mesmas oportunidades que jovens de outras comunidades experienciam, e, por outro, que a formação académica é, também, fulcral para o esbatimento de diferenças e injustiças.

No dia em que soube que Marco havia entrado na UBI lembrei-me daquela nossa conversa e de tudo o que ela projetava à data, num misto de incertezas e de sonhos pouco presentes naquela comunidade. Lembrei-me que projetos como Fronteiras (2016), Reflexo (2019) e Quero Ser Mais E7G (em curso), geridos pela CooLabora, numa parceria alargada e ativa, são exemplos de estímulo e disseminação do respeito pelas diferenças culturais, pela valorização das minorias e pela proteção dos grupos em situação vulnerável.

Ter conhecido, primeiro, a CooLabora e, depois, a comunidade cigana do Tortosendo tem sido das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Lá encontro um conjunto de famílias unidas e abertas à partilha e às trocas de vivências interculturais e religiosas. Ter conhecido o Marco e testemunhado a sua resiliência faz-me acreditar que a UBI e outras universidades do país devem e estão a preparar-se para receber mais e mais jovens das comunidades ciganas em Portugal, rapazes e raparigas com sonhos tão belos e tão válidos com os dos rapazes e das raparigas não-ciganos/as.

(1) Docente do Departamento de Comunicação, Filosofia e Política da Faculdade de Artes e Letras, Universidade da Beira Interior (UBI). Investigadora do LabCom – Comunicação e Artes. Membro da Assembleia Geral da CooLabora.
(2) Projeto financiado pelo Alto Comissariado para as Migrações.