O projecto Violência Zero em números
A Covid 19 veio agudizar e intensificar uma outra pandemia, a pandemia da violência doméstica e da violência contra as mulheres.
Uma maior permanência em casa, uma convivência familiar mais próxima, por vezes em espaços exíguos, numa situação económica que de um modo geral tende a tornar-se mais precária fez com que as violências vividas se viessem a agravar. O lar doce lar para muitas mulheres vítimas de violência não é um porto seguro, mas o cenário de uma guerra que é vivida dia após dia.
O Dia 25 de Novembro, declarado pela ONU como dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres vem lembrar que esta forma de violência não pode ser confundida com todas as outras porque tem raízes específicas. Há um problema estrutural de desigualdade de poder em desfavor das mulheres que perpassa toda a nossa sociedade e que faz com que uma em cada quatro mulheres com mais de 15 anos viva ao longo da sua vida pelo menos uma situação de violência. Este problema tem impacto nas mulheres, nas suas crianças, nas famílias e em toda a sociedade. Basta lembrar que as 16 mulheres que este ano foram assassinadas no âmbito de relações de intimidade deixaram 21 órfãos.
Mas vemos as notícias, ouvimos os relatos e quantas vezes a culpabilização das vítimas é explicitada nas referências ao modo como cozinhavam, respondiam, se vestiam ou outras? Face aos agressores, vemos pelo contrário uma tendência para a naturalização: é a crise, foi o álcool, foi o desemprego, como se estes problemas pudessem justificar os atentados contra os direitos humanos das mulheres.
Os pedidos de apoio caíram vertiginosamente no período de confinamento, momento em que registámos uma quebra de 75%, pelas dificuldades em pedir ajuda que a coabitação implica. Neste momento o número de pessoas em acompanhamento está já ao nível de 2019. Sabemos que há mais violência doméstica, mas também que o acumular de medos que a pandemia comporta, relacionados com a crise económica, com a convivência, com a menor mobilidade os abafam. É importante que estejamos atentas e atentos, como colegas, como vizinhos, como familiares, porque a violência que agora vivemos poderá ter efeitos traumáticos a longo prazo.
Este ano, até 31 de Outubro, acompanhámos 212 situações de violência doméstica, fizemos 347 atendimentos presenciais, não obstante as limitações e 1404 atendimentos telefónicos. Em 75% dos casos foi apresentada queixa.
Queremos deixar também uma mensagem de esperança. Este ano, dos 103 novos casos que acompanhámos 38 libertaram-se a que acrescentamos mais 12 que estavam em acompanhamento desde anos anteriores. No total, vimos 50 mulheres tomarem conta dos seus destinos e libertaram-se do ciclo da violência.
Este é um trabalho que coordenamos, mas que resulta de um esforço colectivo, partilhado diariamente com muitas outras organizações. Com as forças de segurança que receberam mais 220 queixas e que encaminharam para atendimento 30 % dos casos acompanhados pelo Gabinete da CooLabora, as unidades de saúde, como o Centro Hospitalar, o ACES e o CRI, que encaminharam 15% dos casos, a Ordem dos Advogados, o Ministério Público e o Tribunal, que entre muitas outras acções implementaram medidas de segurança fundamentais para as vítimas, o Instituto de Medicina Legal, o Centro de Emprego e a Segurança Social, mas também das escolas e a Universidade da Beira Interior, as três CPCJ da região e as três autarquias: Belmonte, Covilhã e Fundão. Sem eles nada disto teria sido assim. É esta articulação e empenho de todos e todas que este ano mais uma vez tornou possível termos uma rede que protege e que faz a diferença de forma indelével na vida de tantas mulheres, de tantas famílias e de todos e todas nós.